Já
 lá se vão seis anos que tenho um mandado de segurança (nº 0022638-94-2007.3.00.0000) se arrastando, inconcluso, no Superior 
Tribunal de Justiça. E, no próximo sábado (23), vão se completar dois 
anos desde o julgamento do mérito da questão, quando venci por 9x0. 
Mesmo assim, a justiça não foi feita até agora.
"Mas, o que há de
 tão aberrante no seu caso, se a morosidade é marca registrada do 
Judiciário brasileiro?" --poderão indagar os leitores.
Então, 
peço a todos um pouco de paciência com o relato pormenorizado que 
apresentarei em seguida, pois vai caracterizar algo ainda mais grave do 
que a mera letargia burocrática. 
A Comissão de Anistia do 
Ministério da Justiça, instituída "para estabelecer critérios e forma de
 pagamento da reparação econômica, de caráter indenizatório" às vítimas 
da ditadura de 1964", começou a nascer com a Medida Provisória nº 65, de
 28/08/2002, cujo artigo 12 estabelece:
 
§ 4º As requisições e decisões proferidas pelo Ministro de Estado da Justiça nos processos de anistia política SERÃO OBRIGATORIAMENTE CUMPRIDAS NO PRAZO DE SESSENTA DIAS
 [grifo meu], por todos os órgãos da Administração Pública e quaisquer 
outras entidades a que estejam dirigidas, ressalvada a disponibilidade 
orçamentária.
 
Tal 
disposição, integralmente mantida no Art. 12 § 4º da Lei Nº 10.559, DE 
13/11/2012, não foi alterada por nenhuma legislação posterior.
Ora,
 em relação a anistiados que sofreram grave prejuízo profissional por 
força das perseguições ditatoriais, as decisões proferidas pelo ministro
 da Justiça são no sentido de que recebam uma pensão mensal vitalícia e 
também uma indenização retroativa, referente ao período de tempo 
transcorrido entre a violação de seus direitos e o início do pagamento da reparação do Estado brasileiro.
Foi
 o que a Comissão me 
concedeu, após outro trâmite alongado e atípico (embora o critério nº 1 
para priorização dos casos a serem julgados fosse a condição de 
desempregado, tive de lutar muito para que meu processo não continuasse 
sendo preterido enquanto outros menos urgentes entravam na pauta). 
Quando afinal transpus a barreira burocrática, o relator Márcio 
Gontijo reconheceu que eu sofrera duplamente nas mãos dos algozes: 
sequestrado, 
torturado e lesionado, como quase todos; e também duramente atingido na 
minha dignidade, pois os algozes, por suas ações e omissões, criaram 
condições para que eu sofresse estigmatização extrema na sociedade. 
Então,
 meio surdo, impossibilitado de atuar na mídia eletrônica e tendo 
dificuldade para exercer meu ofício na própria mídia escrita, com 
ataques de labirintite que me impediam de trabalhar por vários dias 
seguidos e injustamente malvisto por muitos, o prejuízo profissional que
 sofri foi enorme. 
A portaria ministerial de 30/09/2005 reconheceu isso tudo. E, três meses depois, eu começava a receber a minha pensão vitalícia.
Mas,
 se o prazo de sessenta dias foi quase respeitado em relação à pensão, o
 mesmo não se deu com a indenização retroativa: um ano depois nada havia
 recebido, nem tinha notícia de que fosse receber. Então, necessitando 
urgentemente daquilo a que tinha pleno direito, entrei com mandado de 
segurança para fazer com que fosse cumprida a lei.
Pouco após, contudo, a
 União anunciou um plano de pagamento parcelado do retroativo, pedindo 
aos anistiados que aderissem 
VOLUNTARIAMENTE a ele. Mas, meu processo já
 corria e o advogado desaconselhou uma mudança de rumo.
EVIDENTEMENTE,
 NESTAS CIRCUNSTÂNCIAS, NENHUM TRIBUNAL DO MUNDO DEIXARIA DE RECONHECER O
 DIREITO DE QUEM O POSSUÍA E DELE NÃO ABRIU MÃO.
 
O
 ministro Luiz Fux de imediato concedeu liminar e mandou pagar. Depois, 
contudo, voltou atrás, aceitando um argumento que o STJ já 
desconsiderara em várias outras decisões: inexistência de 
disponibilidade orçamentária. E também não determinou a inclusão do 
valor no Orçamento do ano seguinte; simplesmente, deixou tudo para ser 
resolvido no julgamento do mérito da questão. 
O
 processo passou, então, a 
caminhar em passo de tartaruga. Não tenho explicação (que eu possa 
provar) para a mudança de atitude do Fux, da urgência inicial para a 
modorra subsequente; só conjeturas. Para quem quiser saber mais sobre o 
personagem, eis um bom 
link.
 
Em fevereiro de 2011, já na sua 
nova posição de ministro do STF, ele voltou ao STJ para relatar meu 
processo... e reconheceu o óbvio, dando-me razão. Os oito outros 
ministros o acompanharam.
Seu substituto no STJ, entretanto, decidiu de forma monocrática --ou seja, SOLITARIAMENTE--,
 derrubar a decisão unânime dos nove ministros no julgamento, aceitando 
uma mera filigrana da Advocacia Geral da União, a alegação de que 
mandado de segurança não seria o instrumento adequado nesses casos. O 
próprio Fux já rechaçara tal saída pela tangente em 2007, no comecinho 
do processo. E o entendimento das três cortes do STJ incumbidas de tais 
casos vinha sendo sempre o de considerar pertinente a segurança.
Não
 tenho dúvidas de que vencerei a batalha jurídica, pois qualquer outra 
decisão significaria o estupro da Justiça. Mas, a duração escandalosa do
 processo e a inexistência de uma luz no fim do túnel tipificam puro e 
simples ABUSO DE PODER. 
Um
 estado todo-poderoso pode ficar indefinidamente recorrendo a 
subterfúgios jurídicos para adiar um desfecho inevitável. Eu sou um 
homem aflito por não estar atendendo os dependentes como gostaria e por 
nem aos 62 anos poder desfrutar plenamente a vida familiar. A 
desigualdade de forças é total. 
Fico pasmo ao constatar quão 
kafkiano se tornou o Estado brasileiro. Minha queixa foi levada à 
presidente Dilma Rousseff, que a comunicou ao ministro José Eduardo 
Cardozo (Justiça), que pediu explicações à Comissão de Anistia... mas acabaram 
todos aceitando que se tratasse de problema do Judiciário e não do 
Executivo. Como se fosse o STJ e não a AGU que tivesse tomado a 
iniciativa de retardar o cumprimento do já julgado por meio de uma óbvia MEDIDA PROTELATÓRIA!!!
E
 nem o meritório empenho da ministra Maria do Rosário (Direitos Humanos)
 e do senador Eduardo Suplicy têm sido suficientes para desatar um nó 
inimaginável nas verdadeiras democracias --aquelas nas quais vige o 
verdadeiro respeito ao cidadão, e não esta nova forma de tortura que é a
 insensibilidade burocrática. 
Como disse o Vandré: "porque gado a gente marca,/ tange, ferra, engorda e mata,/ mas com gente é diferente".