Fui ativista estudantil (1967/68). Militante clandestino (1969/70). Preso político (1970/71). Tenho travado o bom combate, lutando por um Brasil mais justo, defendendo os direitos humanos, combatendo o autoritarismo.

Sou jornalista desde 1972. Crítico de música e de cinema. Cronista. Poeta. Escritor. Blogueiro.

Tentei e não consegui eleger-me vereador em São Paulo. Mas, orgulho-me de ter feito uma campanha fiel aos objetivos nortearam toda a minha vida adulta: a construção de uma sociedade igualitária e livre, tendo como prioridades máximas o bem comum e a felicidade dos seres humanos.

Em que a exploração do homem pelo homem seja substituída pela cooperação solidária do homem com os outros homens. Em que sejam finalmente concretizados os ideais mais generosos e nobres que a humanidade vem acalentando através dos tempos: justiça social e liberdade.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

AS PRINCIPAIS AMEAÇAS À COPA NÃO VÊM DAS RUAS, MAS SIM DOS GABINETES

A AES, cuja concessão para distribuir energia elétrica em São Paulo há muito deveria ter sido extinta por não estar honrando os compromissos assumidos, deixou, pela enésima vez, a principal cidade da América do Sul às escuras na semana passada (vide aqui). E se isto voltar a acontecer durante a Copa, expondo-nos a ridículo mundial?

Anteontem (25/01), a Polícia Militar de São Paulo novamente baleou um civil sem justificativa aceitável, colocando-o em coma. A alegação de que o coitado ameaçava um soldado com estilete é risível e é a de sempre; desde a ditadura militar, a PM de SP é mundialmente conhecida como uma corporação que maquila execuções em autodefesa, tendo inclusive sido, por este motivo, energicamente recriminada pela ONU (que recomendou sua extinção, conforme pode ser visto aqui).

E se manifestantes forem barbarizados durante a Copa, para os repórteres do mundo inteiro relatarem e os fotógrafos do mundo inteiro fotografarem?

O perigo aumenta com a cartilha repressiva lançada sorrateiramente pelo ministro da Defesa no finalzinho de 2013 (vide aqui), abrindo a possibilidade de que as Forças Armadas venham a ser acionadas para reprimir black blocsindignados e rolezeiros. Aí as mortes de civis serão praticamente uma certeza; faz parte da cultura militar esmagar o inimigo, o que é catastrófico quando se lida com cidadãos do próprio país. Deus nos acuda!

A rede virtual petista propaga incessantemente teorias da conspiração relativas ao Mundial; parte sempre do pressuposto de que o inferno são os outros. 

Mas, o maior risco de avacalhação provém dos péssimos serviços prestados aos brasileiros pelos governos e pelas companhias privatizadas.

E o maior risco de desastre total, da truculência dos efetivos policiais que tentarão sufocar violentamente as manifestações de desagrado, ao invés de administrarem o problema com um mínimo de sensatez.  

De tudo que de ruim poderá acontecer, o pior vai ser se fardados assassinarem civis, horrorizando as pessoas civilizadas de países cuja tradição não é autoritária como a nossa.

As principais ameaças à Copa não vêm, portanto, das ruas, mas sim dos gabinetes em que omissos se omitem e serpentes chocam seus ovos.

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domingo, 26 de janeiro de 2014

PETIÇÃO PRÓ ASILO A SNOWDEN NO BRASIL ATINGE 1 MILHÃO DE ADESÕES


Na manhã deste domingo, 26, a petição on line em favor da concessão de asilo no Brasil a Edward Snowden ultrapassou a impressionante marca de 1 milhão de assinaturas, conforme pode ser constatado aqui.

É um patamar dificílimo de ser alcançado, atestando, de forma cabal, que os melhores brasileiros não engoliram as desculpas esfarrapadas do nosso governo, que tem todos os motivos para receber Snowden de braços abertos (principalmente depois que a presidenta da República e a Petrobrás se descobriram espionados pelos estadunidenses com a mais chocante sem-cerimônia ) e apenas um para não fazê-lo: seu abjeto servilismo em relação aos EUA, seu medo de represálias com que os italianos também nos ameaçaram no Caso Battisti e depois deixaram pra lá. 

Daquela vez, pagamos para ver e desmascaramos o blefe. Desta, estamos fugindo como coelhos assustados. Por quê? 

Desde a primeira ocasião em que nossas autoridades saíram vexaminosamente pela tangente, há mais de meio ano (vide aqui), tenho sido um dos mais ferrenhos defensores de um posicionamento soberano por parte do Itamaraty e de Dilma Rousseff, bem como um dos mais veementes críticos destas demonstrações de vassalagem que eu jamais, JAMAIS, esperaria de um governo do PT -mesmo levando em conta a descaracterização que o partido já sofreu relativamente à sua identidade inicial, aos ideais em nome dos quais foi fundado, em fevereiro de 1980.

Está lá no manifesto de fundação, com todas as letras:
"Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o país só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras". [Se, enquanto tal dia não chega, abdicarmos das mais ínfimas afirmações de independência, que exemplo estaremos dando às massas trabalhadoras?!] 
Também está lá, preto no branco:
"O PT pretende ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista. Somos um Partido dos Trabalhadores, não um partido para iludir os trabalhadores". [O que são os subterfúgios para bater a porta na cara do Snowden, se não formas de iludir os trabalhadores e todos os brasileiros ciosos da soberania nacional?]
Já somos um milhão de cidadães exigindo que, pelo menos neste caso, o PT no governo não traia os princípios trombeteados pelo PT no palanque.

Seremos muito mais, se o governo continuar se comportando como avestruz.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

DE QUE LIXEIRA SAIU ESTA CARTILHA DE REPRESSÃO DITATORIAL?

Vamos supor que você fique sabendo da existência de um manual para a intervenção das Forças Armadas em situações que não configuram, nem de longe, o enfrentamento de inimigos externos (a missão que a elas compete numa verdadeira democracia).

Um manual que contenha tópicos como estes:
  • "Operação de Garantia da Lei e da Ordem é uma operação militar conduzida pelas Forças Armadas, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio... 
  • "Forças Oponentes são pessoas, grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio... 
  • "A decisão do emprego das Forças Armadas  na garantia da lei e da ordem compete exclusivamente ao Presidente da República, por iniciativa própria, ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais...
  • "...pode-se encontrar, dentre outros, os seguintes agentes como Forças Oponentes: a) movimentos ou organizações; c) pessoas, grupos de pessoas ou organizações atuando na forma de segmentos autônomos ou infiltrados em movimentos, entidades, instituições, organizações... 
  • "...podem-se relacionar os seguintes exemplos de situações a serem enfrentadas durante uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem: c) bloqueio de vias públicas de circulação; d) depredação do patrimônio público e privado; e) distúrbios urbanos; f) invasão de propriedades e instalações rurais ou urbanas, públicas ou privadas; g) paralisação de atividades produtivas; h) paralisação de serviços críticos ou essenciais à população ou a setores produtivos do País; i) sabotagem nos locais de grandes eventos; e j) saques de estabelecimentos comerciais.
  • "...podem-se relacionar as seguintes ações a serem executadas durante uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem: c) controlar vias de circulação urbanas e rurais; d) controlar distúrbios; e) controlar o movimento da população; f) desbloquear vias de circulação; h) evacuar áreas ou instalações; l) impedir o bloqueio de vias vitais para a circulação de pessoas e cargas; m) interditar áreas ou instalações em risco de ocupação; n) manter ou restabelecer a ordem pública em situações de vandalismo, desordem ou tumultos; r) prover a segurança das instalações, material e pessoal envolvido ou participante de grandes eventos; restabelecer a lei e a ordem em áreas rurais; e v) vasculhar áreas"
Você, claro, pensará tratar-se de um documento encontrado entre as imundícies da lixeira da História, originário da Alemanha de Hitler, da Itália de Mussolini, do Chile de Pinochet ou, mesmo, do Brasil de Médici.

Difícil mesmo seria você adivinhar que ele foi publicado no site do Ministério da Defesa brasileiro, no apagar das luzes de 2013, com o aval e a assinatura do ministro incumbido de defender e preservar a democracia que o País tanto sofreu para reconquistar (um senhor chamado Celso Amorim).

Parece que a paúra que lhes inspiram os indignados e a garotada dos rolezinhos, neste ano de Copa do Mundo e de eleição presidencial, está transtornando nossos governantes a ponto de eles abdicarem da mais comezinha cautela (para não falarmos do próprio instinto de sobrevivência!).

Será que não passa pela cabeça desses obtusos burocratas a possibilidade de um futuro presidente da República fazer o pior uso possível de tal cartilha de repressão ditatorial?!

Os signatários do Ato Institucional nº 5, dentre eles o Delfim Netto e o Jarbas Passarinho, também supunham que aquelas medidas totalitárias serviriam mais como espantalho, para intimidar e dissuadir os resistentes, do que para serem neles hediondamente aplicadas. Serão amaldiçoados até o final dos tempos por causa dos horrores que decorreram de suas insensatas assinaturas. 

Ai de quem escancara os portões do inferno, Amorim!


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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

PETIÇÃO PRÓ SNOWDEN NO BRASIL LOGO CHEGARÁ A 1 MILHÃO DE SIGNATÁRIOS

"Edward Snowden desistiu de tudo para trazer à luz a operação de megaespionagem feita pelos EUA contra o Brasil e o restante do mundo inteiro. Seu passaporte foi revogado por seu próprio país e agora ele está preso em um limbo jurídico em Moscou, com um visto de um ano de duração. O Brasil, um dos principais alvos da espionagem, deveria oferecer abrigo a alguém que nos abriu os olhos para a vigilância norte-americana indiscriminada e em escala global. É hora de oferecer a Edward Snowden asilo imediato no Brasil!"

Esta é a justificativa do abaixo-assinado lançado por David Miranda, em favor do asilo de Edward Snowden no Brasil. Na manhã desta 3ª feira (21), o número de aderentes já está em 915 mil. Quem quiser colaborar para que seja atingido o objetivo de 1 milhão de signatários, clique aqui.  

Como bem disse o estimado companheiro Arthur José Poerner (um dos gigantes da resistência jornalística à ditadura militar), em mensagem que enviou ao governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, pedindo sua participação nesta cruzada:

"O ex-agente de informação Edward Snowden já é um benfeitor da Humanidade, muito mais merecedor do Prêmio Nobel da Paz do que o já agraciado presidente Obama, como o mundo inteiro começa, aos poucos, a reconhecer. E os excessos totalitários da espionagem norte-americana, que ousam violar até mesmo a privacidade da nossa presidenta da República, constituem gravíssima afronta à soberania nacional brasileira.

Não há, portanto, qualquer razão para negar ao Snowden generosa acolhida, inclusive de acordo com a histórica tradição de asilo político do Itamaraty. Seria, além disso, mais uma prova cabal de que está em pleno curso o processo de consolidação da nossa democracia. Tucídides já dizia, mais de quatro séculos antes de Cristo, que o segredo da felicidade é a liberdade; e o da liberdade, a coragem, Precisamos ter, na política externa, a mesma coragem que tivemos na resistência à ditadura".

Quanto a mim, repito a indagação que lancei há meio ano, quando o Itamaraty ignorou o primeiro apelo de Snowden ao governo brasileiro. Curta e grossa:

"Teremos voltado, em pleno governo do PT, a ser quintal dos EUA?!"

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SER BOM VASSALO O QUE É? 
É VOLTAR AS COSTAS AO SNOWDEN.


Deu na imprensa: Thomas Shannon, assessor especial do secretário de Estado John Kerry, qualificou de "positiva" a decisão do governo brasileiro, de desconsiderar o pedido de asilo de Edward Snowden e a sua disposição de ajudar-nos a combater a arapongagem estadunidense, expressos na Carta ao povo do Brasil.

"Há vários sinais positivos emitidos pelo governo brasileiro, (...) chegamos a um bom ponto", acrescentou Shannon.

Realmente, o governo brasileiro agiu com sabedoria. Aquela sabedoria sobre a qual discorreu o grande Brecht:
"Nos livros antigos está escrito o que é a sabedoria: 
manter-se afastado dos problemas do mundo
e sem medo passar o tempo que se tem para viver na terra; 
seguir seu caminho sem violência,
pagar o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, mas esquecê-los. 
Sabedoria é isso!" 
Só faltou o verso seguinte: "Mas, eu não consigo agir assim!".

E,  por falar em Brecht e brechtianos, ocorreu-me também que a situação presente tem tudo a ver com o trecho abaixo da magistral peça Arena conta Tiradentes, que é de 1968 mas continua atualíssima:
CORINGA
Ser bom vassalo o que é?
Me responda quem souber.
CORO
Ser bom vassalo é esquecer
aquilo que a gente quer.
Ser bom vassalo é morrer.
Ser bom vassalo, quem quer?
Me responda quem quiser.
CORINGA
Só quer ser um bom vassalo,
quem vive seu bom viver,
quem explora e não é explorado,
quem tem tudo pra perder!
Em tempos idos, os bons vassalos defendiam apenas seus privilégios. Agora a coisa piorou: até os que deveriam ser contra os privilégios acabam se tornando bons vassalos, pois temem que a governabilidade seja prejudicada se entrarem em atrito com o suserano. 

Uma característica, contudo, permanece imutável: ser bom vassalo é esquecer aquilo que a gente quer. Aquilo pelo que um dia lutamos. Aquilo em nome do qual companheiros estimados morreram e sofreram.

Por último, a boa notícia (uma, pelo menos!): o texto integral de Arena conta Tiradentes acaba de ser disponibilizado neste endereço. Recomendo enfaticamente.

Para quem quiser saber mais sobre a peça, eis alguns links: primeirosegundoterceiro e quarto.

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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A VERDADE ESTÁ SUJEITA AO CALENDÁRIO ELEITORAL. E AO QUE MAIS?

No finalzinho de 2013, os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade foram prorrogados por sete meses. Então, com o novo prazo fixado pela medida provisória, o relatório final do colegiado não mais será divulgado no próximo mês de maio, mas sim em 16 de dezembro de 2014.

Fontes palacianas atribuem a decisão da presidenta Dilma Rousseff ao seu desejo de evitar um tiroteio direita-esquerda durante a campanha presidencial -o qual, evidentemente, seria prejudicial às suas pretensões reeleitorais.

Desta vez, pelo menos, o adiamento desnecessário do desfecho não manterá um cidadão sob prisão arbitrária durante uma eternidade, como aconteceu com o Cesare Battisti. Mas, se a verdade foi colocada na dependência do calendário eleitoral, ao que mais se sujeitará?

A própria comissão criou a expectativa de que uma de suas recomendações venha a ser a revisão da Lei da Anistia, passo inicial para o Brasil acompanhar a tendência mundial e seguir a recomendação da ONU, no sentido de que não sejam deixados impunes os agentes do terrorismo de estado. Trata-se do primeiro nó que tem de ser desatado para uma punição efetiva dos torturadores.

O segundo: levar a questão novamente ao Supremo Tribunal Federal, na esperança de que mude seu entendimento sobre os habeas corpus preventivos que os carrascos concedem a si próprios em plena vigência dos regimes de exceção.

A questão é:  podemos confiar que as decisões da CNV não vão obedecer igualmente às conveniências políticas?

Como a Dilma fugiu do pedido de asilo do Edward Snowden como o diabo da cruz, sinalizando não querer de maneira nenhuma peitar os EUA, podemos supor que não quererá também peitar as viúvas da ditadura e os militares da reserva, cuja influência efetiva sobre as tropas é nenhuma, mas cujos blefes ainda provocam muita tremedeira no Palácio do Planalto.

Temo que a revisão da Lei da Anistia venha a ser recomendada pela CNV apenas na hipótese de derrota da Dilma; seria um dos vários abacaxis a serem colocados no colo do(a) sucessor(a).

E que, vitoriosa, ela não queira nem ouvir falar do assunto, com a CNV abstendo-se de causar-lhe aborrecimentos.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

USTRA DIZ QUE NÃO OCULTOU CADÁVER, SÓ O ENTERROU SOB NOME FALSO...

Quem acompanha meu trabalho, sabe que já em 2007 eu descria da possibilidade de se punir os torturadores da ditadura militar sem a revogação da anistia de 1979, que igualou algozes e vítimas. 

Vencidos pela facção de Nelson Jobim na luta então travada no seio do ministério, Tarso Genro e Paulo Vannuchi foram proibidos por Lula de continuarem pregando o necessário e indispensável, qual seja a revisão da Lei de Anistia. Aí, para salvarem as próprias imagens, indicaram à esquerda o caminho dos tribunais, que jamais desatariam o nó enquanto Executivo e Legislativo permanecessem de braços cruzados.

E o nó não foi mesmo desatado. O Supremo Tribunal Federal, numa das decisões mais aberrantes de sua História, em 2010 considerou válida a anistia que os carrascos concederam a si próprios em plena vigência da ditadura, usando os presos políticos e os exilados como moeda de troca e obtendo o aval de um Congresso descaracterizado e intimidado. 

Desde então, as ações civis e criminais contra os torturadores têm um desfecho anunciado: se condenados nas instâncias menores, os réus sabem que tranquilamente darão a volta por cima no STF. Os processos passaram a ter apenas efeito moral; são ingênuos os que sonham com penas de prisão e/ou pecuniárias, pois elas não virão enquanto não forem alteradas as regras do jogo (impostas pelo inimigo e não questionadas pelos pusilânimes do nosso lado quando a ditadura acabou).

Não foi nem um pouco significativa, portanto, a decisão da Justiça Federal de São Paulo, ao considerar prescrito o crime de ocultação de cadáver cometido pelo torturador-símbolo Carlos Alberto Brilhante Ustra e pelo delegado aposentado Alcides Singillo, que deram sumiço nos restos mortais do  militante Hirohaki Torigoe, repetindo a prática adotada pela repressão ditatorial em dezenas de outros casos. Se o Ministério Público Federal, autor da ação, transpusesse esta barreira, certamente tropeçaria numa posterior. Ustra e Singillo nada tinham a temer.

O que vale um registro é a bizarra justificativa da defesa de Ustra. Os procuradores argumentavam que, como o cadáver não foi encontrado até hoje, tratava-se de um crime permanente. Os patronos do chefão do DOI-Codi paulista disseram que o corpo do Torigoe não está sumido, tendo sido enterrado com o nome falso que ele usaria no momento da prisão.

É o mesmo que admitir não só seu assassinato, mas a própria ocultação de cadáver, de vez que a repressão sempre conseguia identificar os defuntos que lhe interessavam.

Enfim, desta vez o Ustra conseguiu livrar a cara sem atirar a responsabilidade sobre seus superiores, como fez em outras ocasiões, implicitamente reconhecendo que servia a uma instituição genocida. 

No que, aliás, estava certíssimo: a culpa por todas as práticas hediondas começava no general que se fazia passar por presidente da República e se estendia para cada elo da cadeia de comando.

Obs.: tentei divulgar este texto no Facebook, mas parece haver agora algum filtro 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

1º DE ABRIL DE 1964: DIA DA MENTIRA E DA INFÂMIA

"Morte vela, sentinela sou
do corpo desse meu irmão 
que já se foi.
Revejo nesta hora 
tudo que aprendi, 
memória não morrerá!

Longe, longe ouço essa voz
que o tempo não vai levar!"


(Fernando Brant e Milton 
Nascimento, "Sentinela")

No próximo 1º de abril, ao se completar meio século da pior mentira já enfiada goela dos brasileiros adentro -a quebra da normalidade institucional sob justificativas falaciosas, mergulhando o País nas trevas e barbárie durante mais de duas décadas-, é oportuno lembrarmos o que realmente foi a nada branda ditadura de 1964/85, ainda louvada por seus carrascos impunes, reverenciada por suas repulsivas viúvas e defendida pelos cuervos  que o totalitarismo criou.

Como frisou a bela canção de Milton Nascimento e Fernando Brant, cabe a nós, sobreviventes do pesadelo, o papel de sentinelas do corpo e do sacrifício dos nossos irmãos que já se foram, assegurando-nos de que a memória não morra – mas, pelo contrário, sirva de vacina contra novos surtos da infestação virulenta do despotismo.

Nessa efeméride negativa, o primeiro ponto a se destacar é que a quartelada de 1964 foi o coroamento de uma longa série de articulações e tentativas golpistas, nada tendo de espontâneo nem sendo decorrente de situações conjunturais; estas foram apenas pretextos, não causa.


Há controvérsias sobre se a articulação da UDN com setores das Forças Armadas para derrubar o presidente Getúlio em 1954 desembocaria numa ditadura, caso o suicídio e a carta de Vargas não tivessem virado o jogo. Mas, é incontestável que a ultra-direita vinha há muito tempo tentando usurpar o poder.


Em novembro/1955, uma conspiração de políticos udenistas e militares extremistas tentou contestar o triunfo eleitoral de Juscelino Kubitscheck, mas foi derrotada graças, principalmente, à posição legalista que Teixeira Lott, o ministro da Guerra, assumiu. Um dos golpistas presos: o então tenente-coronel Golbery do Couto e Silva, que viria a ser o formulador da doutrina de Segurança Nacional e eminência parda do ditador Geisel.

Em fevereiro de 1956, duas semanas após a posse de JK, os militares já se insubordinavam contra o governo constitucional, na revolta de Jacareacanga.

Os oficiais da FAB repetiram a dose em outubro de 1959, com a também fracassada revolta de Aragarças.

E, em agosto de 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, as Forças Armadas vetaram a posse do vice-presidente João Goulart e iniciaram, juntamente com os conspiradores civis, a constituição de um governo ilegítimo, só voltando atrás diante da resistência do governador Leonel Brizola (RS) e do apoio por ele recebido do comandante do III Exército, gerando a ameaça de uma guerra civil.

Apesar das bravatas de Luiz Carlos Prestes e dos chamados grupos dos 11 brizolistas, inexistia em 1964 uma possibilidade real de revolução socialista. Não houve o alegado "contragolpe preventivo", mas, pura e simplesmente, um golpe para usurpação do poder, meticulosamente tramado e executado com apoio dos EUA, como hoje está mais do que comprovado. Derrubou-se um governo democraticamente constituído, fechou-se o Congresso Nacional, cassaram-se mandatos legítimos, extinguiram-se entidades da sociedade civil, prenderam-se e barbarizaram-se cidadãos.

A esquerda só voltou para valer às ruas em 1968, mas as manifestações de massa foram respondidas com o uso cada vez mais brutal da força, por parte de instâncias da ditadura e dos efetivos paramilitares que atuavam sem freios de nenhuma espécie, promovendo atentados e intimidações.

Até que, com a edição do dantesco AI-5 (que fez do Legislativo e o Judiciário Poderes-fantoches do Executivo, suprimindo os mais elementares direitos dos cidadãos), em dezembro de 1968, a resistência pacífica se tornou inviável. Foi quando a vanguarda armada, insignificante até então, ascendeu ao primeiro plano, acolhendo os militantes que antes se dedicavam aos movimentos de massa.

As organizações guerrilheiras conseguiram surpreender a ditadura no 1º semestre de 1969, mas já no 2º semestre as Forças Armadas começaram a levar vantagem no plano militar, introduzindo novos métodos repressivos e maximizando a prática da tortura, a partir de lições recebidas de oficiais estadunidenses.

Em 1970 os militares assumiram a dianteira também no plano político, aproveitando o boom econômico e a euforia da conquista do tricampeonato mundial de futebol, que lhes trouxeram o apoio da classe média.

Nos anos seguintes, com a guerrilha nos estertores, as Forças Armadas partiram para o extermínio premeditado dos militantes, que, mesmo quando capturados com vida, eram friamente executados.

A Casa da Morte de Petrópolis (RJ) e o assassinato sistemático dos combatentes do Araguaia estão entre as páginas mais vergonhosas da História brasileira – daí a obstinação dos carrascos envergonhados em darem sumiço nos restos mortais de suas vítimas, acrescentando ao genocídio a ocultação de cadáveres.

milagre brasileiro, fruto da reorganização econômica empreendida pelos ministros Roberto Campos e Octávio Gouveia de Bulhões, bem como de uma enxurrada de investimentos estadunidenses em 1970 (quando aqui entraram tantos dólares quanto nos 10 anos anteriores somados), teve vida curta e em 1974 a maré já virou, ficando muitas contas para as gerações seguintes pagarem.

As ciências, as artes e o pensamento eram cerceados por meio de censura, perseguições policiais e administrativas, pressões políticas e econômicas, bem como dos atentados e espancamentos praticados pelos grupos paramilitares consentidos pela ditadura.

Corrupção, havia tanta quanto agora, mas a imprensa era impedida de noticiar o que acontecia, p. ex., nos projetos faraônicos como a Transamazônica, Ferrovia do Aço, Itaipu e Paulipetro (muitos dos quais malograram).

A arrogância e impunidade com que agiam as forças de segurança causou muitas vítimas inocentes, como o motorista baleado em 1969 apenas por estar passando em alta velocidade diante de um quartel, na madrugada paulistana (o comandante da unidade ainda elogiou o recruta assassino, por ter cumprido fielmente as ordens recebidas!).

Longe de garantirem a segurança da população, os integrantes dos efetivos policiais chegavam até a acumpliciar-se com traficantes, executando seus rivais a pretexto de justiçar bandidos (Esquadrões da Morte).

O aparato repressivo criado para combater a guerrilha propiciava a seus integrantes uma situação privilegiadíssima. Não só recebiam de empresários direitistas vultosas recompensas por cada "subversivo" preso ou morto, como se apossavam de tudo que encontravam de valor com os resistentes. Acostumaram-se a um padrão de vida muito superior ao que sua remuneração normal lhes proporcionaria.

Daí terem resistido encarniçadamente à disposição do ditador Geisel, de desmontar essa engrenagem de terrorismo de estado, no momento em que ela se tornou desnecessária. Mataram pessoas inofensivas como Vladimir Herzog, promoveram atentados contra pessoas e instituições (inclusive o do Riocentro, que, se não tivesse falhado, provocaria um morticínio em larga escala) e chegaram a conspirar contra o próprio Geisel, que foi obrigado a destituir sucessivamente o comandante do II Exército e o ministro do Exército.

A ditadura terminou melancolicamente em 1985, com a economia marcando passo e os cidadãos cada vez mais avessos ao autoritarismo sufocante. Seu último espasmo foi frustrar a vontade popular, negando aos brasileiros o direito de elegerem livremente o presidente da República, ao conseguir evitar a aprovação da emenda das diretas-já.

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