Fui ativista estudantil (1967/68). Militante clandestino (1969/70). Preso político (1970/71). Tenho travado o bom combate, lutando por um Brasil mais justo, defendendo os direitos humanos, combatendo o autoritarismo.

Sou jornalista desde 1972. Crítico de música e de cinema. Cronista. Poeta. Escritor. Blogueiro.

Tentei e não consegui eleger-me vereador em São Paulo. Mas, orgulho-me de ter feito uma campanha fiel aos objetivos nortearam toda a minha vida adulta: a construção de uma sociedade igualitária e livre, tendo como prioridades máximas o bem comum e a felicidade dos seres humanos.

Em que a exploração do homem pelo homem seja substituída pela cooperação solidária do homem com os outros homens. Em que sejam finalmente concretizados os ideais mais generosos e nobres que a humanidade vem acalentando através dos tempos: justiça social e liberdade.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

NÃO É NA PRAÇA DOS 3 PODERES NEM NA REPÚBLICA DE CURITIBA QUE O NOSSO CARNAVAL VAI CHEGAR

Mal sabíamos quão insatisfatório seria o porvir
Quando o Carnaval Chegar é a canção mais emblemática do período que vai da derrota da luta armada até a redemocratização do Brasil.

Depois que a imensa superioridade de forças do inimigo condenou ao fracasso a heroica tentativa de sairmos da ditadura pela porta da frente, só nos restou mesmo a longa espera de que ela ruísse em decorrência de suas próprias contradições.

Houve, claro, momentos fulgurantes como o do repúdio ao bárbaro assassinato de Vladimir Herzog em 1975, mas todos sabíamos que uma missa não expeliria os militares do poder que exerciam como usurpadores e déspotas.

E existia a resistência cotidiana aos abusos e atrocidades, cujo símbolo mais marcante foram D. Paulo Evaristo Arns e sua abnegada equipe, o embrião do Tortura Nunca Mais.
Um marco: a missa de 7º dia de Vladimir Herzog.

Mas, não estava em nossas mãos darmos um fim à ditadura. Sentíamos-nos exatamente como Chico Buarque descreveu: "Quem me vê sempre parado, distante, garante que eu não sei sambar/ Tô me guardando pra quando o carnaval chegar".

Lá por meados da década de 1970, quando terminou o último dos quatro julgamentos a que fui submetido em auditorias militares, eu tive de fazer minha opção: permanecer ou não no Brasil?

Ao ser libertado, ainda sob o impacto de tudo que sofrera nos porões, decidira embarcar tão-logo pudesse fazê-lo legalmente, já que não tinha como montar um esquema de fuga minimamente confiável.

Mas, aos poucos, foram-me voltando os sonhos, as elucubrações sobre o que faríamos quando, findo o pesadelo, pudéssemos finalmente reconstruir este país. "Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar / Tô me guardando pra quando o carnaval chegar".
Não saímos da ditadura pela porta da frente 

Muito mais do que quando militava na VPR, tinha a noção exata do que precisava ser feito para o Brasil voltar a ser, pelo menos, uma nação civilizada. Nos bares, nosso refúgio, eu e os amigos discutíamos ponto por ponto as medidas a serem tomadas no glorioso day after.

Era nosso lenitivo para continuarmos engolindo os sapos de cada dia. "E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando que eu vou aturar / Tô me guardando pra quando o carnaval chegar".

Mas, a classe política frustrou nossas esperanças e destruiu nossos sonhos. Com a ditadura já agonizante, manobrou para que fosse rejeitada a Emenda Dante de Oliveira, que restituiria o poder a quem de direito, os cidadãos eleitores deste país.

E o maquiavélico Tancredo Neves pôde, triunfalmente, anunciar que chegara "a hora dos profissionais". O candidato da ditadura, Paulo Maluf, não seria detonado pelo povo nas urnas, mas sim por umas poucas centenas de parlamentares no Colégio Eleitoral que se constituía num símbolo gritante da exclusão do povo na tomada das grandes decisões nacionais.

Pior: Maluf seria derrotado graças aos votos de congressistas que, como ratos, abandonaram o navio da ditadura que já fazia água, para assegurarem a manutenção dos seus privilégios na Nova República.
Os crimes da ditadura ficaram impunes

A indústria cultural, com a Rede Globo à frente, conseguiu vender a ilusão de que tanto dava a diretas-já quanto a vitória no espúrio Colégio Eleitoral. A longa agonia pública de Tancredo Neves era a peça que faltava no quebra-cabeças. A pieguice obnubilou as consciências. Os maus venceram, como quase sempre.

E tocada, entre outros, pelos que haviam sido sustentáculos da ditadura, a redemocratização ficou pela metade, como convinha à burguesia, que antes exercia o poder por meio dos fardados, depois passou a exercê-lo por meio de civis safados.

Nem sequer foram punidos os assassinos seriais da ditadura. Nem sequer foram devolvidos os corpos de companheiros martirizados. "Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar". E não adiantou esperar o carnaval, pois ele não chegou.

Gato escaldado, nunca mais acreditei que a redenção dos males brasileiros pudesse provir das tempestades em copo d'água da política oficial. Sabia/sei que a chegada do carnaval não depende da desgraça momentânea do Eduardo Cunha, do Renan Calheiros, do Maluf, do Sarney, do Lula, do Collor, da Dilma, dos mensaleiros, dos vilões do petrolão, da máfia das estatais como um todo, etc.
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Esses senhores nunca determinaram os acontecimentos, apenas cumprem/cumpriram determinadas funções dentro do sistema de exercício e sustentação do poder burguês. Então, enquanto as funções em si não forem extintas, suas agruras só servirão para jogar poeira colorida nos olhos do povo.

Historicamente, os surtos moralizantes eram apenas uma espécie de sacrifício ritual para servir como catarse aos de fora. Ao tombar algum desses espantalhos, a indústria cultural criava a ilusão de que a justiça tinha sido feita e as instituições haviam funcionado. Mas, saíam uns, entravam imediatamente outros e a podridão seguia sendo a mesma.

Mesmo agora que criminosos da política e dos negócios estão sendo sentenciados à prisão em escala nunca dantes vista neste país, dá para se perceber que em algum ponto antes da conclusão da faxina a escalada justiceira vai ser detida.
Freud não explica o Brasil. O Lampedusa, sim...

Por um motivo muito simples: a corrupção é tão abrangente e suprapartidária que, se apurada até as últimas consequências, os poderes Executivo e Legislativo esfarelarão de vez; e isto não convém aos interesses do poder econômico, aquele que manda e desmanda sob o capitalismo, movimentando os cordéis por trás das cortinas,  enquanto são encenadas tempestades de som e fúria significando nada (Shakespeare).

E o que virá depois? Presumivelmente, corruptores e corrompidos que saberão esconder melhor as pistas e provas de suas maracutaias, não deixando as digitais nelas impressas nem papagaiando tão ingenuamente com interlocutores que os podem estar gravando. 

O carnaval que redimirá o Brasil só vai chegar quando nossa gente assumir a iniciativa de ela própria colocá-lo nas ruas, sem se deixar iludir pelo jogo-de-cena dos três Poderes, cujo sentido maior foi decifrado por Giuseppe di Lampedusa na sua frase célebre: "Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude".

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