Fui ativista estudantil (1967/68). Militante clandestino (1969/70). Preso político (1970/71). Tenho travado o bom combate, lutando por um Brasil mais justo, defendendo os direitos humanos, combatendo o autoritarismo.

Sou jornalista desde 1972. Crítico de música e de cinema. Cronista. Poeta. Escritor. Blogueiro.

Tentei e não consegui eleger-me vereador em São Paulo. Mas, orgulho-me de ter feito uma campanha fiel aos objetivos nortearam toda a minha vida adulta: a construção de uma sociedade igualitária e livre, tendo como prioridades máximas o bem comum e a felicidade dos seres humanos.

Em que a exploração do homem pelo homem seja substituída pela cooperação solidária do homem com os outros homens. Em que sejam finalmente concretizados os ideais mais generosos e nobres que a humanidade vem acalentando através dos tempos: justiça social e liberdade.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

"PAI, APROXIMA DE MIM ESSE CÁLICE!"

Ele já aceitou servir como exemplo de bom menino
Creio ter escrito alguns dos textos mais compassivos (vide aquiaqui e aqui) sobre o que Geraldo Vandré se tornou após haver pactuado com a ditadura militar para poder voltar ao Brasil "sem ter na chegada/ que morrer, amada,/ ou de amor, matar", como antevia em sua pungente "Canção primeira". 

Não tenho dúvidas de que sofreu lavagem cerebral quando esteve internado numa clínica psiquiátrica sob a vigilância de agentes da repressão, impedido até de falar com outros pacientes, entre 14 de julho e 11 de setembro de 1973.

Mas, de alguma forma ele contribuiu para sua desgraça: foi ao não suportar a barra do exílio e assumir o risco do regresso, mesmo conhecendo muito bem o inferno no qual desembarcaria. É isto, e só isto, que lhe recrimino. Com relação a tudo que se passou depois, ele tem minha compreensão, valha o que valer.

Foi um episódio bem na linha do que Paulo Francis alertava sobre os artistas: por mais que os admirássemos por sua arte, jamais deveríamos levá-los muito a sério quando se manifestassem sobre outros assuntos ou se aventurassem em outros projetos (principalmente os revolucionários).

Eu não levava muito a sério aquele Chico Buarque que, no olho do furacão dos anos de chumbo, lançava músicas inofensivas e nada tinha a declarar quando a direita enchia sua bola, erigindo-o em bom exemplo enquanto tudo fazia para denegrir os músicos engajados. 

Em 1969 caiu-lhe a ficha e ele próprio reconheceu que o Chico de 1967/68 não merecia mesmo ser levado a sério.

A censura deste disco era ruim. A das biografias é boa?
Fez, então, sua veemente autocrítica: "Agora falando sério/ Eu queria não cantar/ A cantiga bonita/ Que se acredita/ Que o mal espanta/ Dou um chute no lirismo/ Um pega no cachorro/ E um tiro no sabiá/ Dou um fora no violino/ Faço a mala e corro/ Pra não ver a banda passar/// Agora falando sério/ Eu queria não mentir/ Não queria enganar/ Driblar, iludir/ Tanto desencanto...".

Por admirarmos demais a grande arte que ele produziu a partir de então e até o fim da ditadura, passamos uma borracha na sua vacilada anterior e seguimos em frente. A Geraldo Vandré e a Chico Buarque devemos ser imensamente gratos por terem composto as duas músicas mais emblemáticas do repúdio à ditadura: "Caminhando" e "Apesar de você". Não dá para exigirmos que o criador esteja sempre à altura das criações.

Mas, o Chico não deveria exagerar. É simplesmente estarrecedor vermos um dos artistas outrora mais censurados tornar-se um tardio apologista da censura, defendendo a aberração antidemocrática de que a liberdade de expressão deva ser cancelada em benefício de figuras públicas que não querem ver expostos os aspectos desagradáveis de suas biografias. Só falta ele agora cantar  Pai, aproxima de mim esse cálice!...

Paulo Francis certamente daria um de seus característicos sorrisos sarcásticos se lesse a declaração do Chico à Folha de S. Paulo desta 6ª feira, 18 (talvez acrescentando um previsível  como queríamos demonstrar): 
"Posso não estar muito bem informado sobre as leis e posso ter me precipitado, mas continuo achando que o cidadão tem o direito de não querer ser biografado, como tem o direito de não querer ser fotografado ou filmado".
Ora, o  cidadão  com o qual ele se preocupa e cujo direito quer ver priorizado não é um cidadão qualquer, mas sim uma celebridade. Quem escreve as biografias dos coitadezas anônimos?

E quanto ao direito do cidadão comum, de ser informado sobre o que realmente são e fazem aqueles que ganham rios de dinheiro por terem os holofotes da mídia voltados em sua direção, onde é que fica? 

Se o Chico sempre consentiu em que as gravadoras e editoras buscassem de todas as formas maximizar os espaços a ele dedicados pelos veículos escritos e eletrônicos, concedendo obedientemente as entrevistas que marcavam e posando pacientemente para as fotos que recomendavam, o que nos está pedindo é isto: que só levemos em conta o  retrato em branco e preto  que ele e seu staff querem projetar. Que nos atenhamos à imagem manipulada que os profissionais de comunicação forjam, expurgando tudo que é inconveniente para os objetivos comerciais (coincidentemente, o mesmo que incomoda os egos superinflados dos artistas). 

Qualquer tentativa de furar tal bloqueio deverá ser encarada como invasão da privacidade. Ou, verbalizando o que realmente sentem tais pavões mas não têm coragem de proclamar, como um  crime de lesa-majestade.

Tendo o Chico feito uma autocrítica tão contundente por suas omissões em 1967/1968, aguardo ansioso a que fará por suas falações de 2013. Isto se ainda lhe restar humildade para tanto.

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