Jean
Valjean é um personagem lapidar da literatura universal, extraído da
vida pela pena poderosa de Victor Hugo e a ela sempre voltando, pois a
era capitalista se caracteriza pelos mais cruéis abusos e pelas
injustiças mais chocantes.
Para
as novas gerações, vítimas da faina incessante da indústria cultural no
sentido de obnubilar as consciências, explico: personagem principal da
obra-prima Os Miseráveis, Valjean perde os pais ainda criança, é criado
pela irmã mais velha e, quando esta enviuva com sete filhos para criar,
vai à luta para sustentar sua família.
Num inverno em que não consegue emprego, o desespero o leva a roubar um pão.
Preso e condenado a cinco anos de trabalhos forçados, acaba cumprindo 19, em função das várias tentativas de fuga.
Magníficos
atores, como Friedric March, Jean Gabin, Gerard Depardieu e Liam
Neeson, interpretaram Valjean nas versões cinematográficas de Os
Miseráveis -- que somam, pelo menos, 12.
Para
mim, ele sempre terá a forte imagem de Lino Ventura (foto acima),
protagonista da minissérie de TV dirigida em 1982 por Robert Hossein e
depois condensada para o cinema. Talvez porque este carismático ator
italiano, mais lembrado por suas interpretações de gangstêres e
delegados na grande fase dos filmes policiais franceses (anos 60 e 70),
fosse parecidíssimo com um tio-avô meu...
Os pobretões que revivem o drama de Valjean por caírem em
armadilhas do destino são incontáveis -- porque o capitalismo, no que
tem de essencial, em nada melhorou desde o século 19 nem será redimido
jamais; vai continuar tangendo o homem a ser o lobo do homem, enquanto
perdurar.
Valjean aparece no noticiário desta 2ª feira (9) em versão feminina: Juíza manda prender desempregada, mãe de 10 filhos, por calote de fiança:
"Uma diarista desempregada, mãe de dez filhos, moradora de uma favela em Cidade Tiradentes, zona leste de São Paulo, corre o risco de ser presa a qualquer momento se não pagar R$ 300 à Justiça.
A cobrança se refere à fiança por ela ter sido presa em flagrante e depois libertada ao tentar furtar roupas de um supermercado. O crime aconteceu no dia 30 de julho.Claudinéia Freitas Santos, 38, foi até um supermercado Carrefour e tentou furtar dez bermudas e dois sapatos para os filhos. Um segurança a flagrou e chamou a polícia. Acabou presa em flagrante".
É
óbvio que casos assim pipocarão enquanto estivermos submetidos a uma
forma de organização econômica-política-social que privilegia a
ganância, o privilégio e a competição autofágica entre os homens, ao
invés do atendimento das necessidades humanas, da igualdade de
oportunidades e da solidariedade universal.
Mesmo
assim, vale sempre mobilizarmo-nos para que as ocorrências escabrosas
noticiadas tenham um desfecho justo -- pois, além de evitar-se o pior
para as vítimas em questão, o exemplo poderá beneficiar a outros(as)
coitadezas, em circunstâncias semelhantes.
Então,
como o Carrefour não tem ombudsman, recomendo a todos que mandem
mensagens, pedindo à empresa para retirar a queixa contra Claudinéia e
ressarci-la pelos transtornos causados à sua existência sofrida, para as
profissionais responsáveis pela comunicação empresarial em São Paulo: julianasouza@a4com.com.br e juliana_machado@carrefour.com (texto publicado em 09/08/2010 no blogue Náufrago da Utopia)
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