"Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa." (Karl Marx, O 18 de brumário de Louis Bonaparte)
Talvez estejamos prestes a presenciar uma farsa de consequências quase tão funestas quanto a tragédia da eleição de Fernando Collor para presidente da República. Então, vale a pena, primeiramente, recapitularmos o que aconteceu em 1989.
Naquele ano a Agência Estado incumbiu-me de entrevistar os candidatos a presidente da República bem no comecinho da campanha. Fernando Collor aparecia em segundo lugar numa rara pesquisa de intenção de votos feita naquele mês de abril. Nenhum analista político importante apostava um centavo nas suas chances contra Mário Covas, Leonel Brizola, Paulo Maluf, Ulysses Guimarães, etc.
Talvez estejamos prestes a presenciar uma farsa de consequências quase tão funestas quanto a tragédia da eleição de Fernando Collor para presidente da República. Então, vale a pena, primeiramente, recapitularmos o que aconteceu em 1989.
Naquele ano a Agência Estado incumbiu-me de entrevistar os candidatos a presidente da República bem no comecinho da campanha. Fernando Collor aparecia em segundo lugar numa rara pesquisa de intenção de votos feita naquele mês de abril. Nenhum analista político importante apostava um centavo nas suas chances contra Mário Covas, Leonel Brizola, Paulo Maluf, Ulysses Guimarães, etc.
O consenso era de que, quando a campanha esquentasse, o autoproclamado caçador de marajás, conhecido apenas no Nordeste, seria desalojado das primeiras posições pelos candidatos que marcavam presença no noticiário político nacional há décadas.
Fui, talvez, o primeiro a desconfiar que Collor não seria fogo de palha. Era imenso o desencanto com o desgoverno de José Sarney e seus recordes inflacionários que convulsionavam a vida do cidadão comum; e a rejeição se estendia aos outros políticos mais notórios.
Fui, talvez, o primeiro a desconfiar que Collor não seria fogo de palha. Era imenso o desencanto com o desgoverno de José Sarney e seus recordes inflacionários que convulsionavam a vida do cidadão comum; e a rejeição se estendia aos outros políticos mais notórios.
O eleitorado queria uma nova cara e Collor atendia a tal expectativa: era desconhecido, carismático e apresentava-se como o guerreiro que teria confrontado com êxito as velhas oligarquias nordestinas.
E, se a panca de valente lhe servia como trunfo em relação ao povão, suas promessas de modernização tecnológica (a Lei de Informática e outros protecionismos travavam nosso desenvolvimento econômico) e estado mínimo seduziam parte da classe média.
Os meses foram passando e, ao invés de Collor definhar, passou a ser o líder das pesquisas.
Mesmo assim, os realmente poderosos tentatam alavancar candidatos que lhes seriam mais dóceis, como Aureliano Chaves, Guilherme Afif Domingos e até Mário Covas. Tinham um certo receio daquela incógnita que vinha da periferia do sistema e queria impor-se a ele. Temiam, com razão, que se revelasse um novo Jânio Quadros, imprevisível e destrambelhado.
Mas, nenhuma das opções tentadas colou. A grande imprensa passou, p. ex., umas duas semanas privilegiando um Afif Domingos, com enormes entrevistas nos jornais, exposição privilegiada na TV, matérias de capa nas revistas; era o candidato do momento. Mas, quando as pesquisas não revelaram um crescimento significativo, direcionou seus holofotes para Covas, igualmente em vão. Então, curvando-se à evidência dos dados, em agosto o sistema optou por Collor como seu paladino para derrotar a esquerda.
Na outra trincheira também uma nova cara se impôs. O fantasma que assombrava os poderosos desde que ficaram evidenciados o fracasso e a exaustão da ditadura militar era Brizola. Foi por temerem sua eleição, dada como certa, que manobraram para impedir a aprovação da emenda Dante de Oliveira, favorecendo, em seguida, a eleição indireta de Tancredo Neves (os parlamentares da bancada governista liderados por José Sarney foram, e não por acaso, o fiel da balança nas duas votações, daí ele ser recompensado com a vice-Presidência na Nova República que já nasceu velha...).
Mas, no frigir dos ovos, foi Luiz Inácio Lula da Silva quem conquistou a vaga para o 2º turno, ao obter 454 mil votos mais do que Brizola (em termos percentuais, o primeiro ficou com 16,08% e o segundo com 15,45%).
Depois de apostar suas fichas em Collor já no 1º turno, levando-o a obter sozinho tantos votos quanto Covas, Maluf, Afif, Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves somados, a direita jogou mais pesado ainda no 2º turno, garantindo-lhe a vitória... e condenando o Brasil à turbulência collorida e à mediocridade de Itamar Franco.
Os meses foram passando e, ao invés de Collor definhar, passou a ser o líder das pesquisas.
Mesmo assim, os realmente poderosos tentatam alavancar candidatos que lhes seriam mais dóceis, como Aureliano Chaves, Guilherme Afif Domingos e até Mário Covas. Tinham um certo receio daquela incógnita que vinha da periferia do sistema e queria impor-se a ele. Temiam, com razão, que se revelasse um novo Jânio Quadros, imprevisível e destrambelhado.
Mas, nenhuma das opções tentadas colou. A grande imprensa passou, p. ex., umas duas semanas privilegiando um Afif Domingos, com enormes entrevistas nos jornais, exposição privilegiada na TV, matérias de capa nas revistas; era o candidato do momento. Mas, quando as pesquisas não revelaram um crescimento significativo, direcionou seus holofotes para Covas, igualmente em vão. Então, curvando-se à evidência dos dados, em agosto o sistema optou por Collor como seu paladino para derrotar a esquerda.
Na outra trincheira também uma nova cara se impôs. O fantasma que assombrava os poderosos desde que ficaram evidenciados o fracasso e a exaustão da ditadura militar era Brizola. Foi por temerem sua eleição, dada como certa, que manobraram para impedir a aprovação da emenda Dante de Oliveira, favorecendo, em seguida, a eleição indireta de Tancredo Neves (os parlamentares da bancada governista liderados por José Sarney foram, e não por acaso, o fiel da balança nas duas votações, daí ele ser recompensado com a vice-Presidência na Nova República que já nasceu velha...).
Mas, no frigir dos ovos, foi Luiz Inácio Lula da Silva quem conquistou a vaga para o 2º turno, ao obter 454 mil votos mais do que Brizola (em termos percentuais, o primeiro ficou com 16,08% e o segundo com 15,45%).
Depois de apostar suas fichas em Collor já no 1º turno, levando-o a obter sozinho tantos votos quanto Covas, Maluf, Afif, Ulysses Guimarães e Aureliano Chaves somados, a direita jogou mais pesado ainda no 2º turno, garantindo-lhe a vitória... e condenando o Brasil à turbulência collorida e à mediocridade de Itamar Franco.
O CAVALO DE TRÓIA DE EDIR MACEDO
Há óbvios pontos de contato com a eleição paulistana de 2012, como a saturação com o domínio muito prolongado e cada vez mais estéril dos tucanos e seus aliados no estado e na cidade de São Paulo, bem como o desalento do cidadão comum com a política e os políticos (mais ainda porque a campanha começa quando o principal assunto do noticiário é o julgamento do mensalão).
Então, como Collor em 1989, a nova cara (Celso Russomanno) surpreendeu nas pesquisas iniciais ao aparecer na segunda colocação e mais ainda agora, ao assumir a ponta. Quem dava como favas contadas que ele seria fogo de palha começa a ficar com a pulga atrás da orelha.
Uma diferença importante é a que, por enquanto, não há um espectro da esquerda que assuste tanto o sistema quanto Brizola e Lula em 1989. O único que poderá desempenhar tal papel é Carlos Giannazi, se deslanchar.
Mas, a persistir o esvaziamento de José Serra, poderemos chegar a uma situação em que a disputa se decida entre Fernando Haddad e Celso Russomanno.
Como se percebe um nítido empenho dos poderosos e sua indústria cultural em esvaziarem Lula, favorecendo uma candidatura de Dilma Rousseff à reeleição (para começarem a torpedeá-la no dia seguinte à sua homologação pelo PT...), podemos temer, sim, que eles pavimentem o terreno para Russomanno chegar à Prefeitura. A derrota do seu bebê de proveta seria o golpe de misericórdia nas aspirações presidenciais de Lula.
Mas, se Russomanno repete Collor quanto a ser uma nova cara e ter dotes de bom comunicador, não é messiânico nem arrojado. Trata-se de um oportunista de voos curtos, ligações/episódios nebulosos (ver aqui) e um histórico legislativo de projetos disparatados (ver aqui).
Em termos pessoais, dele só há a temermos que venha a ser outro prefeito lacaio do grande capital e patético como Gilberto Kassab.
Mas, sua eleição aumentaria em muito o poder de fogo político da Igreja Universal do Reino de Deus e outras empresas dedicadas à exploração da fé.
O papel extremamente nocivo dessas bancadas evangélicas devotas do bezerro de ouro evidencia-se cada vez mais: satanização dos cultos afro-brasileiros, perseguição aos gays, campanhas extremadas e obscurantistas contra o aborto, reacionarismo (foram elas, p. ex., que condicionaram a aprovação do projeto da Comissão da Verdade à não participação de vítimas da ditadura)... e, claro, fisiologismo escancarado.
Então, a eleição de Russomanno não seria, talvez, uma tragédia. Mas, leva todo jeito de, lembrando uma velha comédia macabra com Boris Karloff e Vicent Price, vir a tornar-se uma farsa trágica.
Então, como Collor em 1989, a nova cara (Celso Russomanno) surpreendeu nas pesquisas iniciais ao aparecer na segunda colocação e mais ainda agora, ao assumir a ponta. Quem dava como favas contadas que ele seria fogo de palha começa a ficar com a pulga atrás da orelha.
Uma diferença importante é a que, por enquanto, não há um espectro da esquerda que assuste tanto o sistema quanto Brizola e Lula em 1989. O único que poderá desempenhar tal papel é Carlos Giannazi, se deslanchar.
Mas, a persistir o esvaziamento de José Serra, poderemos chegar a uma situação em que a disputa se decida entre Fernando Haddad e Celso Russomanno.
Como se percebe um nítido empenho dos poderosos e sua indústria cultural em esvaziarem Lula, favorecendo uma candidatura de Dilma Rousseff à reeleição (para começarem a torpedeá-la no dia seguinte à sua homologação pelo PT...), podemos temer, sim, que eles pavimentem o terreno para Russomanno chegar à Prefeitura. A derrota do seu bebê de proveta seria o golpe de misericórdia nas aspirações presidenciais de Lula.
Mas, se Russomanno repete Collor quanto a ser uma nova cara e ter dotes de bom comunicador, não é messiânico nem arrojado. Trata-se de um oportunista de voos curtos, ligações/episódios nebulosos (ver aqui) e um histórico legislativo de projetos disparatados (ver aqui).
Em termos pessoais, dele só há a temermos que venha a ser outro prefeito lacaio do grande capital e patético como Gilberto Kassab.
Mas, sua eleição aumentaria em muito o poder de fogo político da Igreja Universal do Reino de Deus e outras empresas dedicadas à exploração da fé.
O papel extremamente nocivo dessas bancadas evangélicas devotas do bezerro de ouro evidencia-se cada vez mais: satanização dos cultos afro-brasileiros, perseguição aos gays, campanhas extremadas e obscurantistas contra o aborto, reacionarismo (foram elas, p. ex., que condicionaram a aprovação do projeto da Comissão da Verdade à não participação de vítimas da ditadura)... e, claro, fisiologismo escancarado.
Então, a eleição de Russomanno não seria, talvez, uma tragédia. Mas, leva todo jeito de, lembrando uma velha comédia macabra com Boris Karloff e Vicent Price, vir a tornar-se uma farsa trágica.
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